Correio dos Campos

Investimento da ‘regra de ouro’ será o menor em 10 anos

9 de abril de 2018 às 20:12

VALOR ECONÔMICO/Ocepar – A confirmar-se a projeção do governo para este ano, os investimentos considerados na “regra de ouro” das contas públicas atingirão o nível mais baixo dos últimos dez anos. O último relatório bimestral de receitas e despesas trouxe estimativa de R$ 32,9 bilhões de investimentos considerados na rubrica de gasto de capital na “regra de ouro”. Na década passada, os valores gastos anualmente oscilaram entre R$ 36,2 bilhões (2008) a R$ 66,7 bilhões, em 2013.

Sem correção – Os valores informados pelo Tesouro não estão corrigidos pela inflação, o que torna o volume previsto para este ano ainda mais deprimido em relação aos períodos anteriores. Para efeito de “regra de ouro”, o Tesouro considera as despesas de investimento liquidadas e empenhadas (as duas primeiras etapas da execução orçamentária), o que gera alguma discrepância em relação aos números do resultado do Tesouro, que apresenta as despesas pagas.

Evidência – Os dados são outra evidência dos problemas que envolvem o dispositivo constitucional, que, grosso modo, define que o governo só pode se endividar para financiar despesas de capital (na qual se enquadram, além dos investimentos, as inversões financeiras, como o Fies, e a amortização de dívida). A “regra de ouro” teoricamente tem como objetivo garantir a sustentabilidade fiscal com qualidade do gasto, ao proteger os investimentos.

Disfuncional – A sequência de déficits primários, que caminha para o quinto ano seguido, e a trajetória de queda dos investimentos mostram que a regra, além das dificuldades enormes para ser cumprida, tem sido disfuncional em seus objetivos.

Rigidez – É verdade também que a queda dos investimentos reflete principalmente o fato de que há enorme rigidez do gasto público no Brasil, que conta com grande peso de despesas de Previdência, pessoal e outros itens difíceis de serem cortados. Assim, qualquer esforço de contenção fiscal acaba tendo que ser realizado nas despesas discricionárias, aquelas que o governo pode dispor livremente e no qual os investimentos costumam ser mais atingidos pelos cortes.

Teto de gastos – O problema ficou mais claro no ambiente de teto de gastos, dado que o limite imposto para expansão das despesas, em quadro de 90% de rigidez, reforça a necessidade de cortes em algumas áreas, sobrando pouco espaço para agir em outras.

Contradição – Manoel Pires, ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda e pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre-FGV), avalia que a situação de investimentos muito baixos evidencia uma contradição entre as regras fiscais existentes no Brasil. Segundo ele, enquanto a “regra de ouro” em tese protege os investimentos, as regras de resultado primário e de teto de gastos pressionam essa rubrica, dada a elevada rigidez da despesa pública.

2019 – Para Pires, é necessário avaliar a partir de 2019, quando será possível politicamente discutir assuntos fiscais no Congresso, a melhor equação para o gerenciamento das contas públicas. “Em 2019 será preciso discutir o teto e a “regra de ouro” e é possível construir uma âncora fiscal nova, que olhe a qualidade do gasto, mas também a dívida pública.”

Relatório – Relatório da Instituição Fiscal Independente (IFI) destaca que a margem positiva que havia na “regra de ouro” vem se reduzindo desde 2013. “A despeito da manutenção de elevadas receitas financeiras, o continuado recuo nas despesas de investimentos reduziu gradativamente o excesso de despesas de capital vis-à-vis o volume de operações de crédito”, explica a IFI. A instituição considera que os expedientes usados para cumprir a “regra de ouro”, como o uso do lucro do BC e de remuneração da conta única do Tesouro, têm afastado o dispositivo de sua “configuração clássica”.

Razão – “Essa é uma das razões pelas quais foi possível que a regra de ouro vigorasse no país por cerca de três décadas sem necessariamente preservar os investimentos públicos e assegurar o equilíbrio do orçamento corrente. Durante boa parte deste período (e em particular no último quadriênio) a regra de ouro foi formalmente cumprida sob condições de investimentos públicos estáveis (ou cadentes), déficits correntes elevados e crescente endividamento”, diz o texto.