Correio dos Campos

Médico que ficou internado com Covid-19 lamenta descaso da população e desabafa: ‘Entubei dois colegas que morreram’

Segundo o médico Francismar Prestes Leal, descaso da população é 'assustador'. Para a médica Ana Karyn, que atua em Curitiba, sentimento é de revolta e indignação. 136 profissionais de saúde já morreram vítimas da doença no Paraná.
10 de dezembro de 2020 às 17:51
Francismar trabalha em duas UTIs em Maringá, no norte do Paraná. (Foto: Francismar Prestes Leal/Arquivo Pessoal)

Exaustão e revolta são sentimentos que descrevem a situação vivida pelo médico Francismar Prestes Leal, de 51 anos, que atua na linha de frente do combate à pandemia do novo coronavírus. Há 20 anos com atuação em Unidades de Terapia Intensiva (UTIs), o médico passou cinco dias internado após testar positivo para a doença e chegou a entubar colegas de trabalho que não resistiram à Covid-19.

Ele atua no cuidado de pacientes com a doença desde o primeiro caso registrado em Maringá, no norte do Paraná. São cerca de 200 horas mensais de trabalho em UTIs de dois hospitais da cidade.

“Não está sendo fácil lidar com uma doença infecciosa tão complexa e com a negação dela por parte da população. Estamos todos exaustos, fisicamente e mentalmente. Tenho medo de adoecer ou de morrer dessa doença que ainda não entendemos direito”, desabafou.

Na última quinta (3), Francismar deu entrada no hospital não como médico, mas sim como paciente. Ele foi internado com cerca de 30% do pulmão acometido pela doença.

A esposa, de 38 anos, também precisou ser internada com um quadro ainda mais grave. Ela teve 50% do pulmão afetado e diagnóstico de embolia pulmonar em decorrência do coronavírus. Enfermeira, ela não tem doenças pré-existentes.

Os dois se recuperam em casa desde a terça-feira (8), com os quatro filhos. Todos tiveram diagnóstico positivo e apresentaram sintomas leves.

Em um dos momentos mais difíceis durante todos os meses, o médico chegou a entubar dois colegas de profissão que também atuavam com a Covid-19. Eles não resistiram.

“Entubei dois colegas, algo muito traumático para qualquer um, e os dois faleceram apesar de todo o esforço que fizemos. É terrível a sensação de perder colegas que lutavam tanto para salvar vidas, expondo-se e expondo seus amados”, lamentou.

Um dos profissionais, segundo Francismar, havia recém terminado o período de residência médica. Jovem, deixou a esposa e dois filhos pequenos.

Segundo a Secretaria de Estado da Saúde (Sesa), até quarta-feira (9), 11.774 profissionais de saúde já foram infectados pelo novo coronavírus, com 9.216 pessoas recuperadas e 136 óbitos registrados na categoria.

Atitude da população

Diante do aumento de casos da Covid-19 e da ocupação de leitos para a doença no Paraná, o médico classifica como “assustador” o comportamento de pessoas que ignoram medidas sanitárias e de distanciamento social.

“Não entendo por que as pessoas estão se expondo a algo que pode matá-las ou matar quem elas amam. Imploro como médico, como marido de uma esposa que está lutando neste momento contra um quadro grave da doença, e como pai de quatro filhos infectados, se cuidem”, disse.

Assim como Francismar, a médica Ana Karyn Ehrenfried de Freitas, que atua no combate à Covid-19 no Hospital Vitória, em Curitiba, afirma ser “revoltante” ver parte da população não tomar os cuidados básicos.

“É difícil. Dá vontade de pedir para a pessoa se colocar no nosso lugar. Nós ficamos revoltados, indignados e inconformados. Parece que as pessoas não entenderam ou que só vão perceber que é real quando acontecer com alguém próximo”, afirmou.

Ana chegou a trabalhar cerca de 100 horas por semana durante alguns meses da pandemia. Mãe de uma menina de seis anos, a médica passa a maior parte do tempo longe de casa e da família.

Ela também relata a exaustão após meses de pandemia.

“É um esgotamento não só físico, mas mental. Nós perdemos muitos pacientes. A Covid-19 é uma doença cruel. A reação é muito diferente na questão de resposta dos pacientes em estado grave. Tentamos de tudo e eles não respondem, é frustrante”, desabafou.

Com o novo pico no número de casos, a médica revela que muitas vezes o sentimento é de não haver forças suficientes.

“Ver tudo aumentando outra vez dá a sensação de que não vamos ter forças. Mas cada vez que a gente vai para a UTI temos que tirar forças de onde não temos, porque sabemos que as pessoas precisam de nós”, disse.

Tanto Ana quanto Francismar revelaram ser desgastante a circulação de informações incorretas sobre a doença. Segundo eles, o sentimento é de impotência diante da situação.

Além das dificuldades impostas pelos perigos da doença, os profissionais da saúde ainda enfrentam as longas jornadas de trabalho.

Falta de equipe

Segundo Francismar, assim como ele, muitos profissionais estão afastados por conta dos diagnósticos positivos para a Covid-19. Os que permanecem, precisam suprir a ausência de efetivo.

O médico afirmou que os profissionais plantonistas, sem registro, sofrem ainda com a falta de remuneração em caso de afastamento.

Além disso, a rotina de trabalho é um desafio. Segundo Ana, há dias em que não é possível parar para tomar água, comer ou ir ao banheiro.

De acordo com o médico Francismar, a população deve fazer esforços para ajudar o trabalho dos profissionais da linha de frente de combate à pandemia.

“Se as pessoas não se cuidarem até que vacinas eficazes estejam disponíveis, todos nós pagaremos um preço alto, até mesmo com nossas vidas, inclusive os profissionais da saúde, que estão lutando pela vida de cada um que chega aos nossos cuidados”, concluiu.

O Paraná tem 311.083 casos confirmados do novo coronavírus, com 222.426 pessoas recuperadas e 6.550 óbitos registrados, segundo o último boletim divulgado pela Sesa.

Fonte: G1