Correio dos Campos

Os jovens não querem fazer sentido

* Por Daniel Medeiros - Doutor em Educação Histórica pela UFPR e professor de Humanidades no Curso Positivo
7 de fevereiro de 2020 às 18:19
(Divulgação)

Quase 260 mil jovens de 11 a 21 foram ouvidos ao longo do ano de 2019 na pesquisa realizada pela Porvir e Rede Conhecimento Social. Esse trabalho vem sendo realizado desde 2016 e a edição de 2019 foi publicada nesse mês de novembro. Estes jovens foram provocados a refletir sobre suas escolas atuais e também como seriam os ambientes educacionais de seus sonhos. Escola dos sonhos como uma escola para aprender mais; escola dos sonhos como uma escola para ser mais feliz. 94% das respostas vieram de jovens da escola pública; 71% de escolas do Sul e Sudeste; 54% de jovens que responderam às perguntas se declararam pretos ou pardos. 58% são jovens entre 15 e 17 anos.

As perguntas foram marcando a escola que eles vêem e a escola que eles sonham. Alguns sonhos são tímidos, outros veementes. Por exemplo: 70% dos jovens pesquisados acham que o uso da tecnologia na sua escola é regular ou ruim, mas apenas 15% desejam que o principal conteúdo da escola esteja associado à tecnologia. Os jovens querem o que já conhecem mas não há um engajamentos que permita concluir que uma escola cheia de tecnologia signifique uma escola na qual se aprenda mais ou seja mais feliz. Há algo mais e algo diferente na utopia pensada pelos jovens estudantes brasileiros. E não é difícil de imaginar o que seja.

A pesquisa quis saber se os jovens conhecem as instâncias de participação fora e dentro da escola e se participam delas. Fora, a instituição mais atraente é a igreja. Dentro, grêmios e conselhos existem, mas não são atraentes como imaginam ser. E por quê? Porque não integram professores, pais e alunos e, principalmente, porque não proporcionam diálogo e espaço de atuação. Isso não afasta os grêmios e os conselhos da escola dos sonhos dos jovens. Pelo contrário: na escola dos sonhos, essas instituições estarão lá, mas funcionando do jeito que os jovens consideram correto, isto é, tendo eles como protagonistas, estabelecendo relações horizontais com os adultos, existindo diálogo real, efetivo.

E sobre o futuro? Ora, para os jovens, o futuro é o que vem à frente: universidade e mercado de trabalho. Curioso que os jovens não enxergam que “preparar para a cidadania” seja uma das ferramentas mais importantes para que esse futuro aconteça do jeito que eles sonham. Só 3% pensa que o foco da escola deve ser esse, enquanto 32% quer se preparar para o mercado de trabalho e 39% para o vestibular e Enem. Sem dúvida, os grêmios e os conselhos e os professores e toda a cultura da escola está falhando em passar esse recado: país mais democrático, com cidadania forte e atuante é a melhor garantia para uma boa formação e bons empregos.

Um dos dados mais destacados da pesquisa é o que aponta para a falta de mecanismos que permitam ao jovem aprender a lidar com as suas emoções. Eles percebem isso, sabem que precisam conversar e aprender a lidar com seus medos, preconceitos, sentimentos de frustração e violência, mas não há um espaço e um tempo adequado para isso nas escolas. 60% dos jovens da pesquisa gostariam que existissem psicólogos nas escolas. Mas não há. Recentemente, o governo federal tentou vetar projeto de lei aprovado no Congresso nesse sentido. E o resultado acaba se voltando contra os próprios jovens e contra a instituição. Violência e evasão, conflitos e isolamento.

Os jovens sabem que esse equilíbrio está relacionado a um espaço que ofereça bem estar e oportunidades de diálogo. Por isso, 50% dos jovens querem espaço para atividades esportivas nas escolas e 70% desejam oficinas e práticas que trabalhem cinema, música, teatro, festivais e outros. Um país sem cultura é um deserto. A arte existe porque a vida não basta, já dizia o poeta Ferreira Gullar. Os jovens sabem disso e colocam muito esporte e muita, muita arte na sua escola dos sonhos.

Para muitos políticos e cidadãos comuns, que não participam no mundo da escola, a solução para os problemas da escola é a disciplina. A ideia de criar escolas cívico-militares é um exemplo disso. No entanto, quando perguntam aos próprios jovens, a resposta é bem diferente. Apenas 13% valorizam o professor por ser exigente e saber colocar limites nos alunos. Já para 40% dos jovens, professor bom é o que sabe explicar bem os conteúdos; para 29%, professor bom é o que sabe propor diferentes atividades; para 27%, professor bom é o que sabe estimular o aluno a se questionar e a buscar conhecimento; para 27%, professor bom é o que é acolhedor e tem uma boa relação com os alunos. Ou seja, a solução está na formação de bons professores e não em colocar militares na escola. A solução está em valorizar o professor. Os jovens não querem fazer sentido. Os jovens querem uma escola que faça sentido para eles.

Os jovens, enfim, querem uma escola que ajude o futuro deles. Nada diferente do que sempre deveria ser. Quando a pesquisa pergunta sobre a nova proposta do Ensino Médio na qual eles poderão escolher os itinerários que pretendem seguir, a resposta é clara: queremos escolher os caminhos para o futuro – linguagens, ensino técnico, áreas de maior afinidade. Não há nenhum mistério nisso, exceto que eles não têm muita clareza sobre esse caminho e o papel dos adultos seria exatamente o de estar à disposição, de maneira profissional, madura e afetiva, para que essas questões pudessem ser explicitadas e esclarecidas. O estudante é um jovem à espera de adultos mais maduros e responsáveis. Esse é o principal resultado da pesquisa. Falta agora criar uma escola para que nós, adultos, aprendamos a tratar os jovens na escola que construímos para eles. Urgentemente.