Idoso improvisa mesa em árvore e há 15 anos deixa café no quintal para coletores de lixo: ‘Eu sei que é sofrido’
Uma garrafa de café sobre uma tábua de madeira presa a uma árvore. A “engenhoca” do aposentado Antonio Laureano, de 72 anos, por mais simples que seja, faz a diferença no dia a dia dos coletores de lixo na zona rural de Nova Tebas, localizada na região central do Paraná.
Conhecido como seu Lira, o aposentado, pai de quatro filhos, tem servido de inspiração para a vizinhança por deixar café quente para os trabalhadores. Uma ação simples e carinhosa que se perpetua há 15 anos.
“Eu sei que é sofrido. Quando a gente trabalhava, chegar e ter café era tão bom. Isso fica na mente da gente e cinco minutos que eles pararem não muda nada no dia a dia deles, né?”.
Seu Lira é natural de Vera Cruz, São Paulo, e trabalhou desde os 13 anos como operador de máquina.
Ao longo da vida, morou na capital paulista, no Mato Grosso, até que, em 1° de agosto de 1973, mudou-se com a esposa para Nova Tebas, na Vila Rural Esperança. Lá trabalhou como funcionário da prefeitura até se aposentar em 2018, aos 67 anos.
Durante a carreira, atuou um ano como coletor de lixo. Apesar do pouco tempo, a experiência que teve com a profissão marcou o para sempre.
Lira conta que a vivência fez com que ele tivesse um olhar mais atencioso para os atuais coletores da cidade.
E assim acontece há mais de uma década: toda quarta-feira, dia de coleta na cidade, seu Lira prepara o cafézinho após o almoço.
Ele conta que os coletores passam pela residência por volta de 12h, para, em seguida, descarregarem o caminhão e almoçarem.
Ao longo dos anos, o café se tornou cada vez mais requisitado. De acordo com seu Lira, tem dias que os profissionais fazem uma parada até “debaixo de chuva” para garantir uma xícara e continuar o trabalho.
“Um café não pesa nada para ninguém'”, brinca o aposentado.
Café com sabor de empatia
Cristiano Kulicz, de 31 anos, é um dos coletores da cidade que não passa pela casa de seu Lira sem tomar uma xícara de café.
De Nova Tebas, Cristiano está na profissão há cerca de um ano e meio.
Ele conta que trabalhou em diferentes áreas, como metalúrgico e instrutor da Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais (Apae). Porém, segundo Cristiano, por se tratar de um município pequeno, são poucas as oportunidades de emprego.
Ele ressalta que a profissão do coletor é difícil, pois apesar de ser um serviço que “ninguém quer”, faz toda a diferença na vida das pessoas.
“Se não for nós, garis, que bate de frente dia a dia, tomando chuva, enfrentando sol, o que será do lixo da população?”, questiona Cristiano.
Ele explica que sua rotina é corrida e começa cedo: às 5h. Durante o dia, a força física é o que conta mais.
Quando volta para casa, mais para o fim da tarde, tudo que Cristiano deseja é descansar e se preparar para o dia seguinte.
Para ele, a atitude de seu Lira deve ser vista como um exemplo, pois cada vez mais é difícil encontrar pessoas que colaborem com o dia a dia dos coletores.
“Que as pessoas tenham mais consciência na hora de colocar o lixo na lixeira e lembrem que será um ser humano que irá pegar aquele lixo”.
Edson Carlos Alves, de 48 anos, é colega de Cristiano e também trabalha na coleta. Ele compartilha da mesma opinião e ainda reforça que a atenção recebida de seu Lira “muda o sorriso”.
Pedro de França tem 54 anos e trabalha há 7 anos na cidade como coletor. Mesmo com os anos de experiência, ele garante que a atitude de seu Lira é rara e faz diferença.
Vila Esperança
A esperança da vila não está só no nome da comunidade. A agente de saúde Jandira Gomes Neco de Paiva, de 42 anos, também mora na região e afirma que a vizinhança do local é muito hospitaleira.
Mensalmente, Jandira visita alguns domicílios da comunidade por causa do trabalho e garante que é tanto carinho que “se tomar todos os cafés não aguenta”.
A funcionária da prefeitura diz que conheceu seu Lira durante uma destas visitas. Ela achou curiosa a garrafa de café na árvore e ao questioná-lo sobre o que era, se surpreendeu com o gesto humilde que inspira muita bondade.
“Histórias como esta precisam ser contadas, porque atos como este precisam ser divulgados para que as pessoas sejam solidárias também”, comenta.
Questionada sobre o sabor do café de seu Lira, ela garante com convicção, assim como os outros três trabalhadores da coleta, que “é bom demais”.
Fonte: G1