Correio dos Campos

Alagamento em cemitério com 324 túmulos pode provocar contaminação em poços e lençóis freáticos em Ponta Grossa

Cemitério da área rural de Ponta Grossa está alagado há uma semana. Necrochorume com vírus, bactérias e fungos, e metais pesados provenientes de caixões podem se espalhar no solo, lençóis freáticos, rios e poços artesianos, alerta químico
8 de novembro de 2023 às 09:43
(Foto: Reprodução/RPC)

Por si só, um cemitério gera grandes riscos de contaminação ambiental. No caso do que está alagado no distrito rural de Uvaia, em Ponta Grossa, nos Campos Gerais do Paraná, a preocupação deve ser maior ainda.

O local foi atingido pela cheia do Rio Tibagi e começou a ficar submerso no dia 1º de novembro. Segundo a prefeitura, há pelo menos 324 túmulos no espaço.

Sandro Xavier de Campos é químico e possui doutorado na área de saneamento. O g1 conversou o especialista para entender quais podem ser os impactos do alagamento em relação à contaminação do meio ambiente.

Como pode ocorrer a contaminação?

De acordo com ele, os perigos são relacionados aos materiais utilizados na estrutura dos caixões, que incluem metais pesados, e à decomposição dos cadáveres.

Neste processo, é produzido um líquido chamado de necrochorume, que possui bactérias, vírus e fungos diversos.

Com o alagamento, todos esses resíduos podem estar se espalhando na água da inundação, que atinge casas, poços e o próprio rio, e também pelo solo, que por estar molhado perde a capacidade de fazer o processo natural de descontaminação e absorção.

“O fato de o solo estar molhado devido ao alagamento faz com que fique mais fácil esses resíduos se infiltrarem até lençóis freáticos e se espalharem em rios e até poços artesianos. O que estava concentrado vai sendo diluído tanto pela terra, quanto pela água”, alerta o especialista.

Por isso, Campos destaca a importância de moradores não ingerirem água de poços artesianos da região sem uma análise técnica prévia.

Outra recomendação é que, após o fim da enchente, sejam feitas pesquisas e estudos sobre a qualidade e possível contaminação da água do rio e dos solos da região.

“Na década de 1970 houve muitos casos de doenças como a febre tifoide em Paris e Londres devido à contaminação causada por cemitérios. No Brasil, a legislação acerca da localização e estrutura desses espaços começou a endurecer em 2003”, ressalta o especialista.

Monitoramento

O g1 entrou em contato com a prefeitura de Ponta Grossa questionando se está sendo feito monitoramento e/ou há a intenção de promover análises técnicas relativas à possibilidade de contaminação de águas e solos de Uvaia e aguarda retorno.

A Sanepar também foi contatada, e afirmou que o abastecimento no distrito de Uvaia é feito por meio de captação subterrânea e não sofre influência do alagamento do Rio Tibagi.

“A captação de água ocorre no nível do Aquífero Itararé, a 114 metros de profundidade, bem abaixo do lençol freático, portanto livre de interferências locais. Quanto ao monitoramento da água e do solo, não compete à Sanepar, mas ao Instituto Água e Terra (IAT)”, disse, em nota.

O g1 entrou em contato com o IAT e aguarda retorno.

Necrochorume

Sandro Campos ressalta que cada quilograma do corpo de um ser humano libera até 600 ml de necrochorume. Ou seja, cada cadáver gera uma média de 30 a 50 litros do líquido.

Nele, há bactérias, vírus e fungos provenientes tanto do processo natural de decomposição do corpo, quanto de doenças que acometeram as pessoas em vida.

“Na época da pandemia, a possível contaminação da Covid-19 por cadáveres foi uma grande preocupação de pesquisadores”, lembra.

Outro risco de contaminação relativo a cadáveres são produtos usados para a conservação deles, como metanol e formol, que são substâncias altamente tóxicas, diz o químico.

Ao mesmo tempo, caixões podem liberar metais pesados com o passar do tempo, como chumbo, zinco, cobre, entre outros.

“No caso de cemitérios pequenos, o risco é maior porque a concentração é muito alta. Em espaços maiores há uma diluição”, alerta.

Fonte: G1