JERSEY – Propriedade paranaense é referência no país por modelo produtivo inovador
No ano em que a Campeã Suprema das Raças do Agroleite foi uma vaca Jersey, um casal de expositores da região dos Campos Gerais do Paraná, entusiasta da raça, teve muito a comemorar. A propriedade Chácara Recanto dos Passarinhos, de Piraí do Sul, levou sete faixas da maior feira da cadeia do leite da América Latina de volta para a fazenda, que é reconhecida nacionalmente pelo modelo inovador e moderno de produção. José Delmiro Solak e Jussara Aparecida Liebel ganharam os prêmios de Melhor Criador, Melhor Expositor e Melhor Afixo da raça. São deles também as vacas premiadas como Melhor Fêmea Jovem, Melhor Vaca Jovem e Melhor Úbere Jovem, além da Reservada Grande Campeã da feira em 2024.
Esses são apenas alguns resultados colhidos no ano, mas o plantel de Delmiro e Jussara, apaixonados pela pecuária Jersey, já acumula resultados expressivos por pelo menos duas décadas, a ponto de a Recanto dos Passarinhos virar uma referência em eficiência e sustentabilidade na produção de leite da raça no país. A equipe do Anuagro Campos Gerais foi convidada a conhecer as inovações do sistema de criação das vacas em lactação Compost Barn, onde os animais ficam confinados em um galpão com cama coletiva em que serragem é usada para a compostagem dos resíduos. A alimentação é servida em um espaço separado e o principal objetivo do projeto é trazer mais bem-estar às vacas.
“É uma das mais modernas tecnologias para trazer conforto. Nossos animais se adaptaram bem e migraram de uma produção que era de 22 a 23 litros por dia para 31,5 litros por dia no último controle leiteiro”, revela Delmiro, acrescentando outros benefícios do projeto, como a melhora de índices reprodutivos. “E o Compost Barn também me ajuda devido à minha propriedade ter muita água e eu não ter que manusear o resíduo líquido. Mexo mais com o resíduo sólido. Fica mais fácil inclusive para vender, devido à matéria seca”.
O modelo ambientalmente sustentável de compostagem adotado na fazenda foi feito a partir da adaptação de um barracão que era usado para criar aves em um estábulo eficiente que associa os dejetos dos animais a um substrato. Esse material é usado depois como fertilizante na lavoura. “Chegamos a trabalhar aqui com peru, depois frango e aos poucos fomos aumentando o gado. Foi quando paramos com as outras atividades que adaptamos as instalações das aves para a bovinocultura de leite”, relembra Delmiro.
Bem-estar animal
“É base para o consumidor dos grandes centros e para a satisfação pessoal da gente. Os animais interagem e a gente precisa disso. Hoje as práticas para garantir conforto às vacas não são tão cobradas porque já virou algo natural. É sombra e água fresca, literalmente e elas retornam com o leite, com a prenhez, com a resposta em embriões. As vacas que sejam felizes pra que a gente seja feliz e os funcionários também”, resume Delmiro, quando o assunto é o bem-estar do plantel.
“Nossos funcionários já absorveram essa cultura de ver a alma do animal e isso faz muita diferença. Eu consigo enxergar a alma das minhas vacas e a Jersey é especial. Eu costumo dizer que se um dia um bicho for falar, vai ser uma vaca. Uma Jersey. Elas são muito espertas. Elas aprendem a abrir portão, abrir trava, colchete. Elas conhecem a gente”, relata o produtor, com um brilho especial no olhar.
O apego com os animais também rende para ele uma relação de afeto com o rebanho. “Não tem como não se apegar. Todas têm nome e alguns animais você acaba tendo uma interação diferenciada. A ‘Estampa’ por exemplo é um animal diferenciado. Ela vai ficar mesmo depois de parar de produzir, acaba virando um pet. Financeiramente não compensa manter uma vaquinha idosa, mas ela acaba se tornando um símbolo e põe mais vida e sensibilidade no negócio”.
Unidade Produtora de Novilhas
Além da produção de leite, que mantém o custo da propriedade, Delmiro vende lotes excedentes de novilhas já inseminadas e prenhas, comercializa tourinhos e tem sua genética também em centrais de sêmen. O uso do genoma é uma outra ferramenta empregada para a evolução genética do seu plantel.
Na linha fêmea, a Chácara multiplica suas matrizes através da transferência de embriões e pela Fertilização In Vitro (FIV). “Antes eu tinha uma vaca muito boa que iria me dar três ou quatro filhas com essa genética ao longo da vida. Agora, consigo multiplicar o número de fêmeas dessa vaca com a FIV, com a bezerrinha de proveta. Usamos um sêmen sexado de um touro top no mundo, que nos interessa para a produção de leite, aspiramos os oócitos dessa fêmea e posteriormente os embriões são inovulados em receptoras [vacas que são barrigas de aluguel]. Assim posso ter 20 filhas dessa vaca com a mesma genética”, descreve o pecuarista.
De acordo com Delmiro, o avanço das tecnologias reprodutivas na pecuária acelerou a produtividade dos animais. Na Chácara dele, uma empresa de São Paulo vem todo mês aspirar vacas campeãs de produção, selecionadas pelo produtor. “E a gente tenta fazer a melhor genética que tem hoje no mundo. No laboratório é feita a proveta com sêmen selecionado e no sétimo dia o embrião pode ser transferido a fresco, desde que eu tenha uma receptora num ciclo equivalente. Ou, pode ser congelado num botijão a -190 graus, onde posso eternizá-lo”, completa.
Vocação
Veterinário há 38 anos, a paixão de José Delmiro pela pecuária começou ainda na infância. Nascido em Piraí do Sul, acompanhava o pai, dono de panificadora, nas andanças para entregas nas fazendas e percebeu que gostava dos animais. “O primeiro estágio que fiz na faculdade foi em uma leiteria. Ali eu vi que era isso e não larguei mais”, conta.
Com uma empresa veterinária na Castrolanda, em Castro (PR), a Castrovet, que dá assistência clínica, cirúrgica e reprodutiva aos produtores da Cooperativa, Delmiro reforçou ainda mais seu desejo de ter sua própria leiteria. Há 24 anos comprou a propriedade Chácara Recanto dos Passarinhos em Piraí do Sul, que tinha pouco mais de três alqueires, apenas. Hoje, são 13,5 alqueires ali e mais uma chácara de 10 alqueires a 20 quilômetros, onde instalou a Unidade Reprodutiva de Novilhas. Desse total, apenas 18 hectares são usados para a pecuária e no cultivo de milho, aveia e pré-secado para alimentar o rebanho.
“Sempre para a pecuária, sempre para as vacas. O que produzimos aqui, consumimos tudo e às vezes ainda precisamos comprar um pouco mais ou arrendar mais área para plantar, mas processamos tudo dentro da propriedade. Como temos um manancial grande e floresta, a área produtiva é pequena e por isso foi importante investir num modelo eficiente”, destaca.
Apaixonado por Jersey, Delmiro ajuda a divulgar vantagens da raça
“Eu conheci o mundo através das vacas e sou apaixonado pela raça. Elas são fenomenais.”
A docilidade no temperamento da vaca Jersey é um dos principais argumentos que José Delmiro Solak usa para incentivar a produção de leite pela raça no país. Ele integra as associações estadual e nacional de criadores de Jersey e ajuda a disseminar informações sobre as vantagens desses animais na pecuária. “Eu conheci o mundo através das vacas: viajei para a Holanda, Espanha, Estados Unidos, França… Participava de simpósios, congressos, visitando instalações, adquirindo conhecimento e sou apaixonado pela raça. Elas são fenomenais”, diz o produtor rural.
Delmiro conheceu e se apaixonou pela Jersey durante viagem técnica aos Estados Unidos, na região da Califórnia, para onde foi como veterinário fazer uma reciclagem. “Me apaixonei de ver vacas de altíssima produção e isso me despertou. Ali eu decidi que se um dia fosse criar vaca leiteira, seria Jersey. Acabou dando certo.”
O médico veterinário começou então sua produção com três terneiras, ainda não registradas e logo percebeu que deveria investir para tornar uma propriedade pequena mais rentável. “Comecei a trabalhar com gado puro, registrado. Me atrelei à Associação Paranaense na época, hoje estou na Jersey Brasil para agregar valor em cima da raça e agora também vendo a genética, além do leite”.
Para ele, outras características que fazem valer a pena o investimento na Jersey são a longevidade dos animais e a precocidade na reprodução. “A inseminação já pode ser feita entre os 11 e 12 meses. Antes dos dois anos as vacas já estão parindo e elas seguem produtivas por mais tempo em relação a outras raças. Tenho animais de 14 a 15 anos, com 12 crias, em produção. O descarte é menor e traz mais renda para quem vende genética. Eu acabo vendendo as filhas e vou ficando com as matrizes por mais tempo”, aponta.
Sólidos
Mas, na Chácara Recanto dos Passarinhos, o maior motivo para que o plantel de 330 animais, 125 em lactação, seja todo da raça Jersey é a qualidade do leite. “Elas produzem um leite com alto teor de sólidos e o mundo quer sólidos. Isso remunera melhor”, explica, indicando que na região do Pool ABC, formado pelas Cooperativas Castrolanda, Frísia e Capal, os produtores são remunerados com valor adicional pela análise que aponta maior presença de proteína (caseína) e lipídios (gordura), além dos carboidratos, sais minerais e vitaminas. “Há um bônus bastante significativo e o leite da Jersey contém mais desses sólidos. É apropriado para a produção de creme, queijo, manteiga, requeijão, sobremesa”, detalha o pecuarista que atualmente tem uma média de 31,7 litros de leite por vaca ao dia, em duas ordenhas.
Conforme o produtor, o leite padronizado das vacas na região tem 3,2% de gordura, enquanto a Jersey produz leite com 4,7% a 4,8% de lipídios por litro. “Algumas produzem até 5%. Às vezes até passa disso. O leite da Recanto está em torno de 4,7%”.
Outro ponto importante é o custo de mantença do animal, ou seja, o quanto ela precisa comer para se manter produtiva. “Um animal Jersey pesa 400 quilos, uma Holandesa pesa de 600 a 700 kg. Uma Jersey que produz 30 litros de leite por dia corresponde matematicamente a uma Holandesa que produz 45”, calcula. Além disso, a Jersey também é muito valorizada para cruzamentos com outras raças.
Controle Leiteiro e Cooperativismo
Para Delmiro, um fator fundamental que elevou o nível de produtividade de seu plantel nos últimos 20 anos foi o controle leiteiro. “A gente tem a chancela da Associação Paranaense de Criadores que todo mês manda técnico, um controlador, que vem colher amostra de vaca por vaca para ver quanto elas estão produzindo. O controle leiteiro oficial nos permitiu comercializar um embrião com referência”, indica.
Outro ponto importante no ramo, de acordo com o produtor, é o cooperativismo, que traz garantia da captação do leite, aporte de tecnologia e acesso aos insumos. “Temos uma fábrica de ração, farmácia veterinária, grupos de estudos, cases e benchmarking que nos fazem nos situar e ver quais são nossos propósitos”.
A Recanto ainda desempenha um papel de relevância no incentivo para que pequenos produtores tenham acesso à genética avançada. “A raça se adapta bem, tem uma rusticidade melhor para terrenos íngremes, tem facilidade de adaptação à temperatura, cria-se solta muito bem”, conclui o produtor, que desenvolve um projeto de doação de bezerros machos recém-nascidos para pequenos produtores dos Campos Gerais.
Futuro
“O mundo tem que comer. A população está crescendo. A proteína animal, via leite, talvez seja uma das mais baratas e completas que temos. O suporte de minerais e vitaminas de um copo de leite com certeza faz diferença nesse contexto”, visualiza Delmiro, ao falar do futuro de seus negócios.
Na visão dele, a pecuária leiteira vai continuar envolvendo muita tecnologia e aprimoramento genético para se manter protagonista e garantir a sustentabilidade dos negócios e do meio ambiente no cenário futuro. “São três coisas: sustentabilidade, bem-estar animal e biossegurança do rebanho, da propriedade e do animal. E isso é possível também para o pequeno produtor”, afirma Delmiro, que acumula desde 2016 o título de Melhor Criador e Melhor Afixo em todas as edições do Agroleite.
Origem da Jersey
A raça é originária das Ilhas Jersey, no Canal da Mancha, entre a França e a Inglaterra. Registros apontam que já eram criadas desde o século XVIII e que chegaram ao Brasil em 1896 através do embaixador Joaquim Francisco de Assis Brasil. Esse primeiro lote veio da Granja de Windsor, que pertencia na época à rainha Vitória da Inglaterra. “As vacas da rainha Elizabeth são Jersey. Ela era uma criadora”, comenta José Delmiro Solak.
Em 1930, a raça foi oficializada pelo Ministério da Agricultura do Brasil e em 1938 nasce a Associação de Criadores de Gado Jersey do Brasil, no Rio de Janeiro, hoje com sede em São Paulo. A raça foi amplamente utilizada em cruzamentos com outras raças de gado, especialmente a Holandesa, para melhorar a qualidade do leite produzido.
Fonte: ANUAGRO Campos Gerais 2024 / Por: Emanoelle Wisnievski