Correio dos Campos

Idosa resgatada de abrigo clandestino mostra marca de agressões: ‘Me bateu com o próprio chinelo’

Irmãs responsáveis pelo local estão presas e se tornaram rés por tortura e outros crimes relacionados a maus-tratos. Apenas uma delas possui defesa formada, que afirma que vai se manifestar apenas nos autos do processo
23 de janeiro de 2024 às 16:04
(Foto: RPC)

Uma das idosas resgatadas do abrigo clandestino interditado em Ponta Grossa, nos Campos Gerais do Paraná, mostrou à polícia marcas de agressões que relatou ter sofrido no local.

“Ela me bateu com meu próprio chinelo”, afirma a vítima, em trecho de vídeo obtido pela RPC.

Ela era uma das nove moradoras do espaço, que foi descoberto quando uma idosa de 68 anos fugiu e saiu pela rua buscando ajuda e pedindo socorro. Câmeras de segurança registraram a fuga.

Câmeras mostram idosa fugindo de abrigo clandestino para denunciar agressão e pedir socorro

Segundo a Vigilância Sanitária, o local funcionava sem a documentação e, portanto, de forma irregular.

O delegado Romeu Ferreira, responsável pelo caso, afirma que os moradores, que têm entre 51 e 82 anos, viviam em situação de absoluta precariedade e sob grave violência física e emocional.

“Além das inúmeras violações e tratamento desumano que essas vítimas recebiam ali, foi verificado que elas constantemente eram agredidas fisicamente e sofriam agressões verbais. Algumas vezes eram açoitados por chinelos, recebiam murros, puxão de cabelo e arranhões, o que indica que essas vítimas passavam por intenso sofrimento físico e psicológico, indicando assim a ocorrência do crime de tortura na sua modalidade de castigo”, afirma o delegado Ferreira.

Duas irmãs foram identificadas como responsáveis pelo local: Simone de Elisandra Ramos, a proprietária, e Márcia Jaqueline Ramos a “cuidadora”, diz a polícia.

Ambas estão presas preventivamente e se tornaram rés na Justiça por tortura e outros crimes,

Segundo o delegado, ainda não se sabe se os familiares dos abrigados sabiam das condições em que eles estavam submetidos.

“Encontram-se pendentes alguns pedidos de colaboração em algumas outras unidades policiais. Tão logo tenhamos essas respostas, podemos estar deliberando e eventualmente instaurando novo procedimento policial para apurar a ocorrência do delito de abandono de pessoa idosa”, explica.

Até a publicação desta reportagem, apenas Simone possuía defesa formada, que afirma que vai se manifestar apenas nos autos do processo.

Rés por tortura

O Ministério Público do Paraná (MP-PR) denunciou Simone e Márcia na sexta-feira (19) e a denúncia foi aceita pelo Tribunal de Justiça do Paraná (TJ-PR) no mesmo dia.

No sistema Processo Eletrônico do Judiciário do Paraná (Projudi), o assunto principal da ação consta como crimes de tortura. Nos assuntos secundários, são listados maus-tratos, lesão cometida em razão da condição de mulher, violência doméstica contra a mulher, falsa identidade e crimes previstos no Estatuto do Idoso.

Entre eles, estão deixar de prestar assistência ou dificultar acesso à saúde e expor a perigo a integridade e a saúde da pessoa idosa, submetendo-a a condições desumanas ou degradantes ou privando-a de alimentos e cuidados indispensáveis.

Segundo o MP-PR, as irmãs recebiam valores entre um salário mínimo e R$ 1,9 mil de familiares de cada um dos idosos abrigados e cartões de contas bancárias e de benefícios de idosos que eram mantidos no abrigo foram encontrados com elas.

Além da condenação, o Ministério Público solicita na denúncia que seja fixado pelo Judiciário a obrigação de pagamento de quantia referente aos danos morais causados às vítimas.

Como estão as vítimas

As vítimas foram encaminhadas para acolhimento pela rede de proteção e assistência social do município. Alguns deles alegavam ser de Colombo, na Região Metropolitana de Curitiba, por isso, foram encaminhados à cidade.

De acordo com informações apuradas pela RPC, sete vítimas estão com as próprias famílias e duas continuam no sistema de acolhimento de Colombo.

Piso escorregadio, falta de comida e remédios desorganizados

De acordo com a denúncia, o local onde o abrigo funcionava tinha uma série de descumprimentos à legislação e oferecia diversos riscos aos abrigados.

Conforme o MP-PR, o piso era escorregadio, não contava com estrutura antiderrapante ou barras de apoio, possuía escadas e muitos desníveis.

Os idosos também eram privados de acesso adequado à alimentação e condições de repouso, uma vez que o espaço não tinha camas e eles dormiam em colchões espalhados pelo chão.

As investigações apuraram ainda que os remédios dos abrigados eram mantidos em cima de uma geladeira, desorganizados e sem qualquer tipo de identificação. Dessa forma, segundo o MP-PR, os idosos ficavam expostos ao risco de os acessarem sem qualquer orientação ou prescrição.

Além disso, conforme o órgão, os internos não recebiam acompanhamentos médicos.

Na denúncia, a Promotoria de Justiça aponta que todos os idosos foram encontrados em situação de “extrema vulnerabilidade, sendo que três deles necessitaram de atendimento médico em razão de desidratação, pressão arterial alta e devido ao estado físico debilitado e também emocional muito abalado”.

Fonte: G1