Idosa resgatada de abrigo clandestino mostra marca de agressões: ‘Me bateu com o próprio chinelo’
Uma das idosas resgatadas do abrigo clandestino interditado em Ponta Grossa, nos Campos Gerais do Paraná, mostrou à polícia marcas de agressões que relatou ter sofrido no local.
“Ela me bateu com meu próprio chinelo”, afirma a vítima, em trecho de vídeo obtido pela RPC.
Ela era uma das nove moradoras do espaço, que foi descoberto quando uma idosa de 68 anos fugiu e saiu pela rua buscando ajuda e pedindo socorro. Câmeras de segurança registraram a fuga.
Câmeras mostram idosa fugindo de abrigo clandestino para denunciar agressão e pedir socorro
Segundo a Vigilância Sanitária, o local funcionava sem a documentação e, portanto, de forma irregular.
O delegado Romeu Ferreira, responsável pelo caso, afirma que os moradores, que têm entre 51 e 82 anos, viviam em situação de absoluta precariedade e sob grave violência física e emocional.
“Além das inúmeras violações e tratamento desumano que essas vítimas recebiam ali, foi verificado que elas constantemente eram agredidas fisicamente e sofriam agressões verbais. Algumas vezes eram açoitados por chinelos, recebiam murros, puxão de cabelo e arranhões, o que indica que essas vítimas passavam por intenso sofrimento físico e psicológico, indicando assim a ocorrência do crime de tortura na sua modalidade de castigo”, afirma o delegado Ferreira.
Duas irmãs foram identificadas como responsáveis pelo local: Simone de Elisandra Ramos, a proprietária, e Márcia Jaqueline Ramos a “cuidadora”, diz a polícia.
Ambas estão presas preventivamente e se tornaram rés na Justiça por tortura e outros crimes,
Segundo o delegado, ainda não se sabe se os familiares dos abrigados sabiam das condições em que eles estavam submetidos.
“Encontram-se pendentes alguns pedidos de colaboração em algumas outras unidades policiais. Tão logo tenhamos essas respostas, podemos estar deliberando e eventualmente instaurando novo procedimento policial para apurar a ocorrência do delito de abandono de pessoa idosa”, explica.
Até a publicação desta reportagem, apenas Simone possuía defesa formada, que afirma que vai se manifestar apenas nos autos do processo.
Rés por tortura
O Ministério Público do Paraná (MP-PR) denunciou Simone e Márcia na sexta-feira (19) e a denúncia foi aceita pelo Tribunal de Justiça do Paraná (TJ-PR) no mesmo dia.
No sistema Processo Eletrônico do Judiciário do Paraná (Projudi), o assunto principal da ação consta como crimes de tortura. Nos assuntos secundários, são listados maus-tratos, lesão cometida em razão da condição de mulher, violência doméstica contra a mulher, falsa identidade e crimes previstos no Estatuto do Idoso.
Entre eles, estão deixar de prestar assistência ou dificultar acesso à saúde e expor a perigo a integridade e a saúde da pessoa idosa, submetendo-a a condições desumanas ou degradantes ou privando-a de alimentos e cuidados indispensáveis.
Segundo o MP-PR, as irmãs recebiam valores entre um salário mínimo e R$ 1,9 mil de familiares de cada um dos idosos abrigados e cartões de contas bancárias e de benefícios de idosos que eram mantidos no abrigo foram encontrados com elas.
Além da condenação, o Ministério Público solicita na denúncia que seja fixado pelo Judiciário a obrigação de pagamento de quantia referente aos danos morais causados às vítimas.
Como estão as vítimas
As vítimas foram encaminhadas para acolhimento pela rede de proteção e assistência social do município. Alguns deles alegavam ser de Colombo, na Região Metropolitana de Curitiba, por isso, foram encaminhados à cidade.
De acordo com informações apuradas pela RPC, sete vítimas estão com as próprias famílias e duas continuam no sistema de acolhimento de Colombo.
Piso escorregadio, falta de comida e remédios desorganizados
De acordo com a denúncia, o local onde o abrigo funcionava tinha uma série de descumprimentos à legislação e oferecia diversos riscos aos abrigados.
Conforme o MP-PR, o piso era escorregadio, não contava com estrutura antiderrapante ou barras de apoio, possuía escadas e muitos desníveis.
Os idosos também eram privados de acesso adequado à alimentação e condições de repouso, uma vez que o espaço não tinha camas e eles dormiam em colchões espalhados pelo chão.
As investigações apuraram ainda que os remédios dos abrigados eram mantidos em cima de uma geladeira, desorganizados e sem qualquer tipo de identificação. Dessa forma, segundo o MP-PR, os idosos ficavam expostos ao risco de os acessarem sem qualquer orientação ou prescrição.
Além disso, conforme o órgão, os internos não recebiam acompanhamentos médicos.
Na denúncia, a Promotoria de Justiça aponta que todos os idosos foram encontrados em situação de “extrema vulnerabilidade, sendo que três deles necessitaram de atendimento médico em razão de desidratação, pressão arterial alta e devido ao estado físico debilitado e também emocional muito abalado”.
Fonte: G1