Enfermeiras vencem fobia de água para chegar até criança ilhada por alagamento e garantir tratamento contra hemofilia: ‘Sabíamos que tínhamos que ir’

A enfermeira Ana Paula Zakszeski e a técnica de enfermagem Juliane Kravicz contaram ao g1 que tiveram que vencer a fobia de água para irem de barco até o paciente Théo, de dois anos, que faz tratamento em domicílio contra hemofilia.
A criança mora em uma comunidade rural de São Mateus do Sul, no sul do Paraná, e o local ficou ilhado por alagamentos registrados na última semana. O atendimento foi feito na sexta-feira (3) . Relembre a seguir.
A hemofilia é causada pela falta de um dos dois fatores de coagulação do sangue. Assim, Théo precisa receber duas injeções por semana para repor o fator deficiente. Caso contrário, pode ter sangramentos graves, explica Ana Paula.
“A gente tem muito medo de água, de barco. Quando meu marido vai pescar, eu não entro no barco, por exemplo. De início ficamos com receio, mas sabíamos que tínhamos que ir. A hemofilia é uma doença crônica e ele não pode ficar sem o fator, é para o resto da vida”, conta a enfermeira.
Ana Paula relata que, no caminho até a casa de Théo, ela e a colega ficaram tirando fotos e gravando vídeos para se distraírem do medo. Quando chegaram na casa da família, com a ajuda do Corpo de Bombeiros, o pequeno paciente ficou muito animado.
“Ele disse: ‘Tia Ana, você veio de barco com a polícia!’. Dava pra ver a alegria estampada, ele se divertiu muito com a situação, e isso deu uma aliviada. Fizemos a medicação e o retorno foi bem mais tranquilo”, lembra.
Para a dupla, a experiência foi muito gratificante.
“É de grande valia para nós, da área da saúde, podermos efetuar esse procedimento em si. Encarar os riscos, os medos, saber que é uma criança indefesa que precisa de nós. No momento, a gente deixou de lado o medo, a insegurança, a fobia”, avalia Juliane.
Enfermeira e a técnica de enfermagem enfrentam fobia de água para atender criança — Foto: Arquivo Pessoal
Ajuda dos bombeiros foi essencial
A dupla lembra que na sexta-feira (3), quando estavam saindo de União da Vitória para irem à casa da família, a mãe de Théo disse que não havia mais passagem para ir até a casa deles devido ao alagamento e sugeriu que as profissionais acionassem os bombeiros.
“Na mesma hora eles concordaram em ajudar e dois bombeiros foram conosco. Em um determinado ponto do caminho não tinha mais como passar com a caminhonete e estava chovendo muito. Esperamos e depois fomos de barco, com os bombeiros nos tranquilizando”, lembra a enfermeira.
Profissionais foram treinadas especialmente para atender o menino
Desde setembro, a enfermeira Ana Paula Zakszeski vai até a casa de Théo duas vezes por semana, normalmente acompanhada da técnica em enfermagem. As duas trabalham em União da Vitória e vão até São Mateus do Sul para as aplicações.
Anna Paula tem 38 anos e há 16 atua na enfermagem, Juliane tem 42 anos e trabalha na área da saúde há 12. Apesar da experiência de ambas, Théo foi o primeiro paciente com hemofilia com quem elas tiveram contato.
O pai do menino, Erasmo Macuco, conta que o menino foi diagnosticado com hemofilia tipo A no início deste ano, e desde maio precisa das injeções. No começo do tratamento, conta, não havia oferta na região e ele e a esposa Keli levavam a criança até o Hemepar de Curitiba, a mais de 150 km de São Mateus do Sul.
Depois, a equipe de União da Vitória, cidade vizinha que fica a 85 km, foi treinada para poder atender o menino e há dois meses é a responsável pelo tratamento.
“O treinamento foi motivado pelo caso do Théo. Nós nos tornamos um hemonúcleo e desde o início sempre foi um desafio encarar a hemofilia, saber o que é. Desde setembro atendemos ele e criamos um carinho mútuo com a família”, ressalta Ana Paula.
Casa da família ficou ilhada por cerca de quatro dias
Théo mora com os pais em uma comunidade rural de São Mateus do Sul. Na última semana, a família filhou ilhada por cerca de quatro dias devido aos alagamentos registrados na cidade após fortes chuvas.
“Nós ficamos sem ter como sair de casa por uns quatro dias, moramos numa parte muito baixa. Então, os bombeiros de São Mateus trouxeram as enfermeiras de União da Vitória até nós”, conta o pai, que destaca o agradecimento pela dedicação dos profissionais.
O que é hemofilia
O Ministério da Saúde explica que a hemofilia é um distúrbio genético e hereditário que afeta a coagulação do sangue.
“Por exemplo: quando ferimos alguma parte do nosso corpo e começa a sangrar, as proteínas (elementos responsáveis pelo crescimento e desenvolvimento de todos os tecidos do corpo) entram em ação para estancar o sangramento. Esse processo é chamado de coagulação. As pessoas portadoras de hemofilia não possuem essas proteínas e por isso sangram mais do que o normal”, detalha.
Os sangramentos podem tanto surgir após um trauma, ou sem nenhuma razão aparente. Os cortes na pele levam um tempo maior para parar de sangrar, e ainda há a preocupação em relação aos sangramentos internos, como nos músculos, que não são possíveis de ver.
“Existem vários fatores de coagulação no sangue, que agem em uma sequência determinada. No final dessa sequência é formado o coágulo e o sangramento é interrompido. Em uma pessoa com hemofilia, um desses fatores não funciona. Sendo assim, o coágulo não se forma e o sangramento continua”, aponta o Ministério.
O tratamento é feito com a reposição intra-venal (pela veia) do fator deficiente. Pessoas com hemofilia tipo A são deficientes de fator VIII (oito) e pessoas com hemofilia do tipo B são deficientes de fator IX (nove).
“Os sangramentos são iguais nos dois tipos, porém a gravidade dos sangramentos depende da quantidade de fator presente no plasma (líquido que representa 55% do volume total do sangue)”, explica o órgão federal.
Fonte: G1