Correio dos Campos

Com fronteira fechada, criança argentina com paralisia cerebral é impedida de fazer tratamento há mais de um ano em Foz do Iguaçu

Menino de quatro anos mora em Porto Iguaçu, na Argentina, e fazia reabilitação em Foz do Iguaçu desde bebê. Após um ano, embaixada argentina autorizou passagem pela fronteira, mas liberação não foi recíproca no Brasil. G1 aguarda retorno do Itamaraty
20 de julho de 2021 às 09:03
Segundo a mãe, por causa do período sem tratamento, Octavio está perdendo a mobilidade que tinha conseguido. (Foto: Arquivo pessoal)

Mesmo aos quatro anos de idade, Octavio Gabriel Gorosito Mattos travou e venceu inúmeras batalhas. O menino argentino tem múltiplas lesões cerebrais e, por isso, desde os dois meses de idade, faz fisioterapias em Foz do Iguaçu, no oeste do Paraná, na luta por uma melhor qualidade de vida.

Ele e os pais moram em Porto Iguaçu, na Argentina, cidade que liga o país ao Brasil, pela Ponte Tancredo Neves. A fronteira está fechada há mais de um ano e quatro meses por causa da pandemia.

Por isso, nesse período, ele tem sido impedido de fazer o tratamento na clínica que fica a poucos quilômetros de onde vive, segundo a mãe Camila Vanesa Mattos.

O G1 aguarda retorno do Itamaraty para esclarecer porque a entrada da criança no Brasil não foi autorizada.

“Octavio tem paralisia cerebral severa. Não fala, não anda e não se comunica. Ele fazia reabilitação neuromotora na clínica de Foz do Iguaçu. Não era de graça, mas em Porto Iguaçu não existe esse tipo de tratamento, só em Posadas, que fica a 300 quilômetros de distância, e ele não pode viajar tanto porque tem convulsões. Então, o lugar mais próximo é Foz do Iguaçu, que fica a 20 minutos.”

Até a publicação desta reportagem, o governo Argentino não havia divulgado data para a reabertura das fronteiras terrestres entre o país e o Brasil.

De acordo com a mãe, após mais de um ano pedindo, a embaixada da Argentina autorizou que a família saísse do país pela Ponte Tancredo Neves.

Entretanto, a liberação não foi recíproca pela embaixada brasileira, pois a Argentina não permite o livre trânsito de moradores de cidades-gêmeas durante a pandemia, como é o caso de Foz do Iguaçu e Porto Iguaçu. Entenda mais sobre as permissões de entrada pela fronteira terrestre ao final da reportagem.

“Espero que entendam e saibam que é a vida de uma criança que não tem muitas expectativas desde que nasceu, pois temos lutado para superar diagnósticos e prognósticos. Agora estamos incapacitados pela desumanização e falta de empatia de um país, ao qual apenas pedimos para nos deixar entrar”, disse a mãe.

O G1 entrou em contato com as embaixadas argentina e brasileira e aguarda retorno sobre o caso.

Saúde da criança

Segundo a fisioterapeuta Márcia Cristina Dias Borges, que acompanha Octavio desde bebê, o tratamento que ele fazia três vezes por semana é essencial para a qualidade de vida do menino.

O último atendimento de Octavio na clínica ocorreu em 12 de março de 2020. Sem estímulos por tanto tempo, o corpo dele está voltando a ficar rígido e o desenvolvimento respiratório tem regredido.

“O Octavio está vivo por nossa causa, pois eu vi esse menino praticamente morrer lá na clínica quando chegou para mim, então ele é a nossa vitória. Eu não consigo, não entra na minha cabeça, de que pode acontecer alguma coisa com ele por nós termos sido impossibilitadas de ajudá-lo por uma simples fronteira fechada”, disse.

Em meio ao impasse de conseguir que o filho volte à reabilitação, a família clama por ajuda.

“Não estamos pedindo ajuda financeira, apenas humanitária! Não queremos que o Brasil pague pelo tratamento, só queremos poder cruzar a fronteira”, afirmou a mãe.

Márcia explicou que o Octavio teve lesões cerebrais após um parto complicado, pois demorou muito e nasceu com parada cardiorrespiratória.

“Ele ficou em processo de ressuscitação por muito tempo e aí, por conta disso, o cérebro dele não recebeu oxigênio adequado. Ele fez múltiplas lesões cerebrais e com isso também tem microcefalia.”

A especialista informou que, após o fechamento da fronteira, a equipe tentou manter o serviço por teleatendimento, mas como a fisioterapia neurofuncional e cardiopulminar são muito específicas, não foi possível continuar tratando a criança a distância.

Fronteiras fechadas

De acordo com Camila, a família não sabe mais o que fazer, pois as duas opções apresentadas pela embaixada brasileira não são viáveis.

A primeira é para aguardar a reabertura da Ponte Tancredo Neves, entre Foz do Iguaçu e Porto Iguaçu. Entretanto, não há data para isso ocorrer.

“O Brasil não autoriza a entrada de argentinos. A embaixada argentina no Brasil, que está no Itamaraty, nos disse que a única opção é mudarmos para Foz do Iguaçu. Mas isso é impossível, porque vivemos em Porto Iguaçu”, disse sobre a segunda opção ofertada

Após receber autorização da embaixada argentina, a família tentou ir para Foz do Iguaçu.

A equipe da clínica comemorou e esperou pela criança com cartazes de boas-vindas, mas Octavio não conseguiu passar pela fronteira com a mãe.

Camila disse ainda que ela e o marido já foram vacinados contra a Covid-19. Agora, eles esperam que a burocracia seja deixada de lado para salvar a vida do filho.

“Nos sentimos frustrados por saber que não podemos dar ao nosso único filho o que é mais essencial para ele, para a qualidade de vida dele.”

Fonte: G1