Correio dos Campos

Filha encomenda pelúcia personalizada com roupa da mãe que morreu após câncer: ‘Simbologia do que é amor’

Aos 63 anos, Ana Lucia de Noronha descobriu a doença e morreu em menos de 10 dias. Como forma de homenagem, a filha mais velha pediu para uma artesã fazer um 'ursinho da memória'.
24 de maio de 2021 às 14:38
Como forma de homenagem, filha encomenda pelúcia personalizada com roupa da mãe que morreu após câncer. (Foto: Arquivo pessoal)

Com uma blusa e um óculos que eram da mãe que morreu após um câncer no cérebro, uma das filhas decidiu transformar o que era uma simples recordação em uma homenagem à pessoa mais importante da vida dela.

A peça de roupa escolhida após a perda da mãe estava guardada dentro de um saco de organza e uma caixa de madeira na casa de Claudia Regina Rabe, em Curitiba. Mas, após dez meses convivendo com a saudade da mãe, ela decidiu encomendar uma pelúcia personalizada com os itens.

“Eu pegava aquela blusinha, cheirava e devolvia lá. Em um certo momento vi uma postagem do ‘ursinho da memória’ e gostei da ideia. Na hora que eu peguei aquele ursinho, aqueceu meu coração, não é que eu vejo a mãe ali, mas eu sinto, é uma simbologia do que é o amor. É uma coisa concreta, então eu beijo e abraço e isso acaba me acalmando”, diz ela.

Ana Lucia de Noronha tinha 63 anos e deixou quatro filhas e cinco netos. Claudia é a filha mais velha, com 43 anos, e ela conta que os objetos da mãe foram repartidos entre elas após seis meses da morte. Cada filha ficou com algum item que remetia à mãe.

“Guardei como todo mundo guarda por muito tempo, apenas dentro do guarda-roupa, mas no décimo mês da morte da mãe, agora em maio, apostei nesse urso como forma de homenagem à ela. Deu muito certo, deixo ao lado da minha cama e parece que isso diminuiu um pouco a distância entre nós”.

A doença

De acordo com Claudia, a mãe sentiu dores fortes de cabeça e pensou que era por causa da dor de dente provocada por um problema de canal.

A idosa foi levada pela família até o dentista, fez o tratamento, mas mesmo assim a dor persistiu, somada ainda com náuseas. A outra filha de Ana Lucia a levou ao médico para examiná-la. No local, ela realizou uma tomografia.

“Na volta da tomografia, o médico chamou a minha irmã e falou que ela tinha que ser operada com urgência porque a mãe estava com uma mancha na cabeça, um glioblastoma multiforme nível 4, que já tinha tomado todo o lado esquerdo e estava indo para o lado direito. Foi muito assustador”, conta.

Apesar de morar em Curitiba, Ana Lucia estava passando alguns meses na casa da outra filha em Rio Azul, na região central do Paraná. Devido à necessidade de fazer a cirurgia, as equipes transferiram ela para um hospital em Campo Largo, na Região Metropolitana de Curitiba.

“Nós não pudíamos entrar, mas vimos ela da janela do quarto do hospital. No dia anterior à cirurgia, eu chamei os irmãos dela, alguns familiares e preparei uma faixa escrito: ‘mãe, vai dar tudo certo’. Ela leu a faixa, estava bem lúcida, agradeceu, deu tchau e tudo. Ela não queria sair da janela, parece que ela estava pressentindo que aquela era uma despedida, seria a última vez que íamos nos ver, nos falar”, afirma.

No dia seguinte, em 20 de julho do ano passado, dona Ana Lucia teve a terceira parada cardíaca e morreu. O câncer já havia ocupado os dois lados do cérebro. Claudia Regina lembra que não levou dez dias entre as primeiras dores de cabeça e a morte da mãe.

“O médico já tinha falado que o quadro tinha se agravado muito e que eles iriam tentar fazer a cirurgia, mas que talvez ela ficaria com sequelas, como não se lembrar mais de ninguém, ficar vegetando. Acredito que a morte foi na verdade a cura dela, pois não merecia ficar nessa situação, ela era muito feliz, animada. Como não teve Covid, conseguimos fazer um velório e nos despedir”, conta.

Objeto que traz sentimentos

O “ursinho da memória” foi feito por Joelma Cristina Magalhães, que tem um ateliê em Curitiba. Segundo ela, a pelúcia tinha como objetivo inicial servir para que as mães preservassem peças importantes, como as roupas de bebê dos filhos.

Porém, depois a ideia expandiu também como forma de recordação dos entes que já morreram.

“Em meio a um mundo cada vez mais complicado e cheio de dor, fazer esses ursinhos é como se fosse um abraço que eu posso dar nas famílias, uma espécie de consolo. Eu fazia só com roupas de bebê, o que já deixava as mamães encantadas. Até que uma cliente me pediu pra fazer com o pijama da mãe dela já falecida. Depois dessa primeira não parei mais”, diz Joelma.

Claudia chegou a postar o resultado do trabalho em uma rede social. A postagem dela teve quase 11 mil curtidas e diversas mensagens de pessoas afirmando terem gostado da ideia.

“Estou impressionada com a repercussão que teve a postagem da Claudia. É muito gratificante fazer algo que mexe com a emoção das pessoas, só eu sei o que é ver a emoção de cada uma delas quando recebem a pelúcia em mãos. São memórias e lembranças afetivas que ressurgem mais fortes no coração. As minhas pelúcias são aquele tipo de lembrança gostosa, que pode abraçar quando o coração apertar”.

Segundo Claudia Regina, o ursinho de pelúcia não “devolveu” a mãe de volta para ela, mas confortou de alguma forma a saudade.

“No começo, depois que ela faleceu, na minha cabeça a mãe estava ainda lá morando com a minha irmã, ela não tinha morrido, só estava lá e iria voltar algum dia. Depois que a ficha foi caindo de que ela completou o ciclo na terra. Hoje eu consigo lembrar e contar a história dela sem me desesperar. Foi um simples gesto que me entregou carinho e calma, um objeto que traz sentimentos”, completa a filha.

Fonte: G1