Correio dos Campos

‘Perdi parte da infância do meu filho’, diz jovem negro preso por quase 3 anos por crimes que não cometeu

Lucas Moreira de Souza, de 26 anos, deixou Complexo Penitenciário da Papuda nesta quinta-feira (22). Ele havia sido condenado a 77 anos de prisão.
22 de outubro de 2020 às 16:47
Lucas Moreira de Souza, 26 anos, reencontra filho após quase três anos preso por crimes que não cometeu. (Foto: Walder Galvão/G1)

Após quase três anos, Lucas Moreira de Souza, de 26 anos, deixou o Complexo Penitenciário da Papuda nesta quinta-feira (22). O jovem, que chegou a ser condenado a 77 anos, estava preso desde 20 de dezembro de 2017 por suposto envolvimento em uma série de assaltos – crimes que não cometeu.

“Perdi parte da infância do meu filho”, disse Lucas após deixar o presídio.

O alvará de soltura foi expedido pelo Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJDFT) na noite de quarta-feira (21). A testemunha chave foi um policial civil, que acreditava na inocência do rapaz e procurou a Defensoria Pública (veja detalhes abaixo).

“Pelo fato de ser negro e morar na periferia, você já se torna um suspeito”, afirmou o jovem inocentado.

15 quilômetros a pé para chegar em casa

Lucas saiu da penitenciária por volta de meia-noite. Um ônibus o deixou no Jardim Botânico e, devido ao horário, ele precisou andar por cerca de três horas até a Rodoviária do Plano Piloto. Foram aproximadamente 15 quilômetros a pé.

O jovem chegou em casa, em Ceilândia, por volta de 8h desta quinta. Enquanto isso, sem saber, a família o aguardava na saída Papuda. Lucas, então, ligou para os parentes, que retornaram para o esperado reencontro.

De acordo com a Secretaria de Estado de Administração Penitenciária (Seape), a soltura de Lucas foi comunicada à Defensoria Pública, que ficou de informar à família. Entretanto, os defensores disseram ao órgão que os familiares do jovem não tinham condições de buscá-lo durante a madrugada e que iriam pela manhã.

Mesmo assim, Lucas foi liberado durante a noite. A Seape afirmou que o procedimento é padrão e que o homem foi escoltado até uma parada de ônibus do Jardim Botânico, região onde está localizada a penitenciária.

Cela com 50 detentos

Ao relembrar os dias na Papuda, o jovem contou que viveu um período difícil na penitenciária e que, agora, quer passar um tempo com a mãe e com o filho.

“Cheguei a dividir cela com cerca de 50 pessoas. Um espaço com apenas oito camas. Imagina como é?”
Em liberdade, Lucas, que estudou até o segundo ano do ensino médio, também pretende retomar os estudos e trabalhar. O filho dele, Kauan, de 5 anos, disse que a primeira coisa que quer fazer é “tomar sorvete com o pai”. À época em que o jovem foi detido, o menino tinha apenas 2 anos.

Emoção

Pela manhã, a emoção marcou o reencontro da família. A mãe de Lucas, a vendedora Maridalha Moreira Conceição, de 47 anos, chorou ao ver o filho.

“Hoje, sou a pessoa mais feliz do mundo. Vi a Justiça sendo feita.”
De acordo com Maridalha, o filho “passou por muito sofrimento e vergonha” durante o período de cárcere, mas, a partir de agora, a nova fase será de felicidade. “Deus é fiel e jamais permitiria que isso acontecesse”, disse.

Indenização

O defensor público Daniel de Oliveira, que atuou no caso, diz que a defesa entrará com um pedido de indenização contra o Estado. “Foi uma condenação injusta. Trabalhamos muito nesse processo para tirar esse inocente da prisão”, disse.

Por outro lado, Daniel afirma que “nenhum dinheiro vai pagar o tempo que Lucas perdeu”, mas que a indenização “é o mínimo a se fazer nesse momento”.

“Quando encontrei com ele, parece que toda minha carreira de defensor público valeu à pena.”
Até esta publicação, a Polícia Civil não tinha se manifestado sobre o caso.

Entenda o caso

Lucas foi preso no dia 20 de dezembro de 2017, por suposto envolvimento em uma série de assaltos. Desde então, ele tentava provar a própria inocência.

No dia em que foi detido, ladrões roubaram um carro e cometeram outros delitos, em Ceilândia. Em seguida, foram para o Recanto das Emas, onde deram continuidade à sequência criminosa.

O jovem diz que, naquele dia, acordou pela manhã, tomou café e, em seguida foi para a rua, onde costumava soltar pipa. Nesse momento, foi abordado por policiais civis e apontado como um dos suspeitos dos crimes. Desde então, ficou detido no sistema carcerário da capital federal.

Por conta dos crimes, Lucas foi condenado em dois processos. A soma das penas chegava a 77 anos de prisão. Há cerca de dois anos, no entanto, um policial civil que havia atuado na investigação e acreditava na inocência do jovem procurou a Defensoria Pública do DF.

Ele conseguiu apresentar indícios de que o rapaz não estava envolvido nos crimes. Além disso, a equipe mostrou que o carro utilizado para cometer os assaltos foi utilizado em outros delitos, dez dias após a prisão de Lucas. O detalhe havia passado em branco pelos responsáveis pelas apurações.

Fonte: G1