Correio dos Campos

Backer: bancário ganha festa em hospital ao receber alta após cerca de 6 meses de internação

Investigações completam cinco meses sem conclusão. Vítimas estão sem receber apoio da cervejaria nos gastos com tratamentos de saúde.
8 de junho de 2020 às 09:01
Luciano e família no dia da alta hospitalar — Foto: Arquivo pessoal

Após quase 180 dias internado em um hospital de Belo Horizonte, sendo 65 em leito de terapia intensiva, o bancário Luciano Guilherme finalmente voltou para casa na semana passada. Ele é uma das 42 vítimas identificadas pela Polícia Civil que foram intoxicadas pela substância dietilenoglicol, encontrada nas cervejas da Backer. As investigações, que completam cinco meses nesta segunda-feira (8), ainda seguem em fase de conclusão, segundo a Polícia Civil.

A alta hospitalar, para evitar possível contágio de Covid-19, foi em ritmo de comemoração, com direito a balões e até serenata cantada pela equipe do hospital que cuidou dele. “Agora estou devendo um churrasco para este pessoal todo”, brincou.

“Este é o primeiro ano do resto da minha vida. Agora, vou ser outra pessoa e começar tudo de novo”, disse o bancário, que completou 57 anos no final de maio.

O bom humor de Luciano esconde o sofrimento que passou. Ele contou que comprou a cerveja Belorizontina, da Backer, durante promoção de Black Friday, no final de novembro, em um supermercado do bairro Buritis, na Região Oeste da capital. Poucos dias depois de consumir a bebida, começou a sentir mal-estar. Com pressão alta, dores abdominais e sem conseguir ir ao banheiro, acabou sendo internado em 6 de dezembro de 2019.

No período em que esteve no hospital, teve paradas cardíacas e passou por cirurgia de colostomia, para retirada de 70 cm do intestino que foi perfurado pelo dietilenoglicol. Luciano perdeu 37 quilos e também está com as funções renais permanentemente comprometidas, além de danos à audição, visão e paralisia facial.

Luciano e família antes da intoxicação por dietilenoglicol — Foto: Arquivo pessoal

Atleticano apaixonado, ele disse que só sobreviveu porque quem acompanha o time, “não morre fácil do coração”.

“O médico não sabe como voltei. (…) Acho que é por causa disso. Sou assíduo frequentador dos jogos do Galo e atleticano não morre fácil do coração.”

Mas, com várias sequelas, ainda vai precisar de acompanhamento de fisioterapeuta, fonoaudiólogo e medicamentos.

“Eu sento na mesa pra comer, eu como com dificuldade, mesmo assim, ainda fico procurando comida na boca, não consigo mastigar. Mas é uma felicidade, que você não imagina. Que delícia que é estar na minha cama, estar com a minha família. A recuperação maior vai ser aqui”, afirmou.

Os contatos telefônicos e e-mails enviados à Backer pela família dele nunca foram respondidos, para esclarecer sobre os valores de despesas não cobertas pelo plano de saúde e a perda de renda.

Sem plano de saúde, vítima batalha por tratamento no SUS

Josias Moreira de Matos ficou internado após consumir cerveja da Backer — Foto: Dayane Hulda Bernardes de Matos/Arquivo Pessoal

A família do taxista Josias Moreira tem passado dificuldades financeiras desde que ele foi intoxicado pelo dietilenoglicol, substância encontrada na cerveja da Backer, em janeiro. Era ele quem mantinha a família e pagava a prestação da casa onde moram, no Bairro Serra, Região Centro-Sul de BH.

Josias ficou com problemas de audição e de visão, além de uma paralisia no lado direito do corpo, que acomete, especialmente, os membros superiores. Ele não pode mais trabalhar e precisa de cuidados especiais.

Sem plano de saúde, Josias está com tratamento interrompido, aguardando por consultas, exames e sessões de fisioterapia na rede SUS, que não estão sendo marcados por causa da pandemia. Também não tem recebido qualquer suporte da Backer.

“A Backer não deu assistência. Quando meu pai estava internado, ouvi que, quando ele tivesse alta, que eu poderia buscar o dinheiro da cerveja que ele tomou, que eles devolveriam. Depois, vieram aqui em casa para dizer que são empresa familiar e que teriam que mandar muita gente embora”, disse a filha Dayane Hudal.

Dayane ganha dinheiro como motorista de aplicativo, revezando com o irmão e a mãe na assistência ao pai. Mas a renda não é suficiente. Ela recorreu ao auxílio emergencial, fornecido pelo governo federal durante o período da pandemia, mas só conseguiu receber a primeira parcela na última semana. A família também tenta receber cesta básica fornecida pela prefeitura de Belo Horizonte.

A chegada da Covid-19 aumentou ainda mais a preocupação da família com a fragilidade da saúde do Josias. “Não atrapalha só ele psicologicamente. A família toda fica afetada. É uma coisa atrás da outra que a gente não espera”, disse a filha Dayane.

Sobre as consultas especializadas, a Secretaria Municipal de Saúde informou que está marcado oftalmologista nesta segunda-feira (8), no Centro Municipal de Oftalmologia.

Processo na Justiça

O advogado de parte das famílias e das vítimas da Backer, André Couto, disse que ninguém está recebendo assistência da cervejaria, nem mesmo para custear gastos com saúde, que já foi determinado pela Justiça.

“As vítimas aguardam custeio emergencial, que já foi determinado, que é questão de urgência. A Backer alega que é falta de dinheiro”, disse.

Em abril, a Justiça determinou que os nomes de todos os sócios da Backer entrem no processo. Anteriormente, somente empresas tinham sido citadas no processo: Cervejaria Três Lobos, Khalil Empreendimentos, Cozinha de Fogo, Paixão pela Itália e HM alimentos.

A inclusão dos nomes dos sócios, segundo a Justiça, se deve ao fato de que a empresa estaria “adotando condutas que a princípio demonstram intenção de ocultar/dilapidar o patrimônio e/ou dificultar a localização de seus bens”.

André Couto afirmou que a empresa estaria adotando condutas para tornar o processo ainda mais lento.

“A Backer veio no processo dizer que tem proposta para vender a cerveja que está nos tanques para depositar parte do valor da venda em juízo. O restante seria para pagar fornecedores, empregados. Se quisesse, poderia ir ao processo e dizer que bem poderia ser vendido para arcar com as custas das vítimas, algo muito mais rápido do que esta venda, que só poderá ser feita após decisão judicial”.

Investigações ainda sem conclusão

A Policia Civil informou que as investigações estão “em fase de conclusão” e que as informações serão “divulgadas em momento oportuno”. Do mês passado para este, não houve mudanças no número informado de pessoas ouvidas no inquérito, mais de 60.

Durante o período de pandemia, a Polícia Civil substituiu as perícias diretas pelas perícias indiretas. Mas, segundo a instituição, não houve atraso nas investigações.

O que diz a Backer

Em nota, a Backer disse que tem colaborado com as autoridades e que “aguarda ansiosa a conclusão do inquérito”.

A empresa voltou a dizer que jamais adquiriu a substância dietilenoglicol. Reforçou que a comercialização e produção estão suspensas até que o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) e outros órgãos de fiscalização autorizem a retomada das atividades.

Sobre o custeio de gastos médicos das vítimas, disse que iniciou as tratativas ainda em janeiro, com mediação do Ministério Público, mas que a judicialização do caso, com bloqueio dos bens da empresa e dos sócios, “inviabilizaram as iniciativas”.

A Backer afirmou que o Mapa identificou que 219 lotes de cerveja em estoque estão de acordo com padrões de qualidade. A empresa confirmou que aguarda manifestação da Justiça para venda do estoque para poder usar parte para pagar colaboradores, funcionários e fornecedores. Outra parte será para pagamento do auxílio emergencial a consumidores com sintomas de intoxicação.

Fonte: G1