Correio dos Campos

Aspectos relevantes da ação negatória de paternidade e anulação do registro civil, segundo atual jurisprudência do STJ.

* Por Paulo Eduardo Medeiros - 2016 - Especialização em andamento em Direito Público. (Carga Horária: 380h). Faculdade de Direito Prof. Damásio de Jesus, FDDJ, Brasil. 2011 - 2012 Especialização em Direito Civil e Empresarial Aplicado. (Carga Horária: 460h). Universidade Estadual de Ponta Grossa, UEPG, Brasil. 2005 - 2009 Graduação em DIREITO. Centro de Ensino Superior de Campos Gerais, CESCAGE, Brasil.
7 de dezembro de 2018 às 18:00

O aspecto fundamental do presente estudo repousa na discussão acerca do reconhecimento de paternidade havido pelo registro civil, o qual posteriormente vem a ser contestado com base na demonstração de que o genitor foi levado a erro substancial ao reconhecer a prole como sendo sua, quando na verdade não o era.

Em um primeiro momento é necessário afirmar, é pacifico, tanto na doutrina como na jurisprudência a possibilidade de reconhecimento da paternidade com base na socioafetividade. Ou seja, sem que exista qualquer vínculo biológico entre as partes, isso porque, os vínculos afetivos construídos entre o genitor e a prole são mais fortes e devem prevalecer sobre a simples alegação de inexistência de vinculo biológico.

CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. FAMÍLIA. RECONHECIMENTO DE PATERNIDADE E MATERNIDADE SOCIOAFETIVA. POSSIBILIDADE. DEMONSTRAÇÃO.

1. A paternidade ou maternidade socioafetiva é concepção jurisprudencial e doutrinária recente, ainda não abraçada, expressamente, pela legislação vigente, mas a qual se aplica, de forma analógica, no que forem pertinentes, as regras orientadoras da filiação biológica.

2. A norma princípio estabelecida no art. 27, in fine, do ECA afasta as restrições à busca do reconhecimento de filiação e, quando conjugada com a possibilidade de filiação socioafetiva, acaba por reorientar, de forma ampliativa, os restritivos comandos legais hoje existentes, para assegurar ao que procura o reconhecimento de vínculo de filiação sociafetivo, trânsito desimpedido de sua pretensão.

3. Nessa senda, não se pode olvidar que a construção de uma relação socioafetiva, na qual se encontre caracterizada, de maneira indelével, a posse do estado de filho, dá a esse o direito subjetivo de pleitear, em juízo, o reconhecimento desse vínculo, mesmo por meio de ação de investigação de paternidade, a priori, restrita ao reconhecimento forçado de vínculo biológico.

4. Não demonstrada a chamada posse do estado de filho, torna-se inviável a pretensão. 5. Recurso não provido. (REsp 1189663/RS, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 06/09/2011, DJe 15/09/2011)

O campo de discussão que se abre nessa seara diz respeito a contestação judicial do reconhecimento de paternidade, no qual o suposto genitor utilizar como argumento principal o fato da criança não possuir o mesmo vinculo biológico que o contestante. Contudo, é necessário mais uma vez salientar: a simples alegação de falta de identidade biológica não gera necessariamente a possibilidade de anulação dos assentos registrais, pois na maioria dos casos, quando o contestante descobre que não é o genitor biológico do infante os vínculos biológicos já estão estabelecidos, sendo impossível sua desconstituição.

Não obstante esse viés fático a jurisprudência vem aceitando a desconstituição dos registros cadastrais de nascimento da criança quando é possível inferir que o genitor ao realizar o reconhecimento do suposto filho o fez por erro. Aliado ao fato de logo em seguida ter havido a ruptura dos laços entre as partes. Em outras palavras, são dois requisitos que devem ocorrer concomitantemente.

Em relação a figura do erro, o Código Civil assim disciplina sua sistemática:

Art. 139. O erro é substancial quando:

I – interessa à natureza do negócio, ao objeto principal da declaração, ou a alguma das qualidades a ele essenciais;

II – concerne à identidade ou à qualidade essencial da pessoa a quem se refira a declaração de vontade, desde que tenha influído nesta de modo relevante;

III – sendo de direito e não implicando recusa à aplicação da lei, for o motivo único ou principal do negócio jurídico.

Nesses termos, restaria configurado o erro, quando o genitor registra a criança em decorrência de sua aparente paternidade, em outras palavras, quando levado pelas circunstâncias acredita piamente estar registrando seu filho biológico, posto que, caso soubesse da realidade acerca da questão, não procederia da mesma maneira, dessa forma, sendo o reconhecimento do filho um ato jurídico “stricto sensu”, e tendo ele sido praticado em função de erro substancial, está ele sujeito à desconstituição por vício de consentimento.

Art. 138 do CC: São anuláveis os negócios jurídicos, quando as declarações de vontade emanarem de erro substancial que poderia ser percebido por pessoa de diligência normal, em face das circunstâncias do negócio.

Ademais, em casos semelhantes, consta uma decisão do STJ, veiculado no informativo nº. 533, no qual consta o seguinte teor:

DIREITO CIVIL. PROVA EM AÇÃO NEGATÓRIA DE PATERNIDADE.

Em ação negatória de paternidade, não é possível ao juiz declarar a nulidade do registro de nascimento com base, exclusivamente, na alegação de dúvida acerca do vínculo biológico do pai com o registrado, sem provas robustas da ocorrência de erro escusável quando do reconhecimento voluntário da paternidade. O art. 1.604 do CC dispõe que “ninguém pode vindicar estado contrário ao que resulta do registro de nascimento, salvo provando-se erro ou falsidade do registro.” Desse modo, o registro de nascimento tem valor absoluto, independentemente de a filiação ter se verificado no âmbito do casamento ou fora dele, não se permitindo negar a paternidade, salvo se consistentes as provas do erro ou falsidade. Devido ao valor absoluto do registro, o erro apto a caracterizar o vício de consentimento deve ser escusável, não se admitindo, para esse fim, que o erro decorra de simples negligência de quem registrou. Assim, em processos relacionados ao direito de filiação, é necessário que o julgador aprecie as controvérsias com prudência para que o Poder Judiciário não venha a prejudicar a criança pelo mero capricho de um adulto que, livremente, a tenha reconhecido como filho em ato público e, posteriormente, por motivo vil, pretenda “livrar-se do peso da paternidade”. Portanto, o mero arrependimento não pode aniquilar o vínculo de filiação estabelecido, e a presunção de veracidade e autenticidade do registro de nascimento não pode ceder diante da falta de provas insofismáveis do vício de consentimento para a desconstituição do reconhecimento voluntário da paternidade. REsp 1.272.691-SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 5/11/2013.

Ou seja, não basta simplesmente alegar que não existe qualquer vínculo biológico entre o genitor e a criança, é necessário demonstrar o induzimento em erro substancial ocorrido no momento do registro. Sem esquecer que a parte deve demonstrar outras circunstâncias fáticas que envolveram a matéria em especial o rompimento do vínculo afetivo logo após a descoberta da verdade.

Nesse sentido o julgado de 2018 do STJ:

RECURSO ESPECIAL. PROCESSO CIVIL. DIREITO DE FAMÍLIA. AÇÃO NEGATÓRIA DE PATERNIDADE CUMULADA COM ANULATÓRIA DE REGISTRO DE NASCIMENTO. VÍCIO DE CONSENTIMENTO. INEXISTÊNCIA. RELAÇÃO SOCIOAFETIVA. CONFIGURAÇÃO. AUSÊNCIA DE PROVA CONTRÁRIA. ÔNUS DE QUEM ALEGA. ART. 333 DO CPC/1973. SÚMULA Nº 7/STJ.

1. Recurso especial interposto contra acórdão publicado na vigência do Código de Processo Civil de 1973 (Enunciados Administrativos nºs 2 e 3/STJ).

2. A retificação do registro de nascimento depende da configuração de erro ou falsidade (art. 1.604 do Código Civil/2002) em virtude da presunção de veracidade decorrente do ato, bem como da inexistência de relação socioafetiva preexistente entre pai e filho.

3. A paternidade socioafetiva não foi impugnada pela autora, a quem incumbia o ônus de desconstituir os atos praticados por seu pai biológico, à luz do art. 333, I, do CPC/1973.

4. O Tribunal local manteve incólumes os registros de nascimentos em virtude da filiação socioafetiva, circunstância insindicável nesta instância especial em virtude do óbice da Súmula nº 7/STJ. 5. Recurso especial não provido. (REsp 1730618/RJ, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, TERCEIRA TURMA, julgado em 22/05/2018, DJe 30/05/2018)

De todo exposto depreende-se que os tribunais superiores vêm admitindo a anulação dos assentamentos dos registros civis apenas em casos excepcionais, sendo a paternidade socioafetiva prevalente. Contudo, admite-se em certos casos a anulação, em especial quando o genitor foi induzido em erro, aliado ao rompimento dos vínculos afetivos entre o genitor e a criança logo após a descoberta da verdade.