Correio dos Campos

O Supremo não pode ser um “supertribunal de revisão”

* Por Caio Marcio Eberhart - Advogado e sócio do escritório Trotta, Eberhart, Sotomaior Karam Sociedade de Advogados, e membro da Comissão de Direito do Agronegócio da OAB/PR
8 de novembro de 2018 às 18:00
(Divulgação)

A discussão não é nova, mas, em função do atual cenário jurídico-político brasileiro (eleições presidenciais, Operação Lava Jato etc.), o debate sobre a questão voltou à tona e ganhou força: o Supremo Tribunal Federal (STF) deveria se tornar apenas corte constitucional e deixar os demais assuntos para outros tribunais superiores?

Em primeiro lugar, faz-se necessário diferenciar tecnicamente as expressões “corte constitucional” e “suprema corte” (ou “corte de apelação”, como alguns preferem chamar). A primeira é, por definição, um órgão do Poder Judiciário responsável pelo juízo de constitucionalidade de leis e atos políticos. Em outras palavras, cabe à “corte constitucional” a última palavra quanto à interpretação e concretização da constituição. Já a “suprema corte” tem caráter de última instância, ou seja, de “corte de apelação” e de administração de justiça propriamente.

No Brasil, o STF não funciona essencialmente como “corte constitucional”, pois acumula funções híbridas (de “corte constitucional” e de “corte de apelação”).

Por determinação do artigo 102 da Constituição de 1988, o STF foi soerguido a um tribunal multifuncional e revisional, com competência para processar e julgar originariamente as infrações penais comuns e crimes de responsabilidade praticados por pessoas detentoras de foro privilegiado, que abarcam: Presidente da República, Vice-Presidente, Procurador-Geral da República, Ministros de Estado e os membros do Congresso Nacional. Além disso, compete ao STF o julgamento de recursos extraordinários em face de decisões que violarem o texto da constituição, assim como de recursos ordinários em face de decisões denegatórias de habeas corpus, habeas data, mandado de segurança e de injunção julgados em única instância. E mais, cabe ainda ao STF processar e julgar as ações diretas de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo federal ou estadual e ações declaratórias de constitucionalidade, dentre outras hipóteses.

A partir disso, fica fácil imaginar o volume gigantesco de demandas e o caos processual decorrente, que prejudica a eficácia de sua prestação jurisdicional. Com todo respeito a quem pensa diferente, a ideia de que o STF deve atuar como um supertribunal de revisão deve ser combatida.

Para ilustrar a questão, lembramos que ao julgar o habeas corpus do ex-ministro Antônio Palocci, no início deste ano, o Ministro Luís Roberto Barroso criticou o número de processos que chegam ao STF e o fato de a corte figurar como “4ª instância” de todos os processos. Segundo os dizeres de Barroso: “Essa ideia de que o STF deva ser a 4ª instância de todos os processos, inclusive de todos os processos criminais, é um equívoco que não tem como funcionar. É de uma trágica irracionalidade, e é por isso que o STF recebe 100 mil processos por ano. (…) Não é papel de nenhuma corte constitucional no mundo julgar 10 mil HCs por ano. É inexplicável. Não há sentido nisso. Jurisdição constitucional não é feita para julgar habeas corpus originariamente”.

Nesse contexto, a resposta à pergunta acima é: sim, o STF deve se tornar uma corte essencialmente constitucional, com competência para uniformizar a interpretação e aplicação da constituição pela via do recurso extraordinário e por meio da ação direta de inconstitucionalidade (ADI) e declaratória de constitucionalidade (ADC), deixando a cargo do Superior Tribunal de Justiça (STJ) a competência para atuar como última instância de apelação.