Correio dos Campos

ECONOMIA – No investimento, BNDES recua e estrangeiro avança

4 de setembro de 2017 às 10:40

A parcela do investimento financiada por empréstimos do BNDES encolheu ao menor nível desde pelo menos 2004 nos quatro trimestres encerrados em junho, ao mesmo tempo em que aumentou a fatia bancada com recursos de investidores estrangeiros. Nesse período, a formação bruta de capital fixo (FBCF) ficou em 14% do PIB, dos quais apenas 0,8% do PIB, ou 5,5% do total, foram financiados com dinheiro do banco de fomento, aponta levantamento do Centro de Estudos do Mercado de Capitais (Cemec), do Instituto Ibmec. Os números do Cemec não incluem o investimento das administrações públicas e a variação de estoques.

2014 – Em 2014, o investimento com recursos do BNDES foi de 2,6% do PIB, ou 15,2% do total da FBCF, medida do que se investe em máquinas e equipamentos, construção civil e inovação. O pico da participação do banco foi em 2009, quando o BNDES respondeu por 18% da FBCF.

Queda na demanda – Diretor do Cemec, Carlos Antonio Rocca avalia que o tombo da participação do BNDES se deve mais à queda na demanda por empréstimos do banco, num cenário de grande ociosidade na economia. Além disso, houve também um recuo na oferta de financiamentos a taxas muito subsidiadas, abaixo da inflação, segundo ele. “Acabou o dinheiro do Tesouro”, diz Rocca, numa referência aos repasses do governo ao banco de fomento realizados entre 2009 e 2014, nas gestões dos ex-presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff.

Investimento direto – Já o investimento direto estrangeiro no país, aquele voltado para atividades produtivas, respondeu por 29,1% da formação bruta nos quatro trimestres até junho. Em 2014, a fatia era de 23,3%; em 2009, ficou em apenas 11,3% do total.

Emissão de notas – Além disso, o financiamento internacional por meio da emissão de notas e obtenção de empréstimos externos respondeu por 7,8% do investimento de empresas e famílias. A maior parcela da FBCF é financiada com recursos próprios, como os lucros retidos das empresas, respondendo por 43,5% do total. Em 2014, essa fatia era de 37,4%. Para estimar a composição do financiamento da FBCF, Rocca leva em conta apenas operações de longo prazo.

Nível baixíssimo – O economista ressalta que o investimento está num nível baixíssimo, que “mal cobre a depreciação” do estoque de capital fixo. “Não há crescimento sustentável com uma taxa de investimento dessas”, afirma ele, também sócio da consultoria Rocca, Eliseu, Prandini & Associados. Nas estimativas do economista, a correlação entre a variação anual do Produto Interno Bruto (PIB) e a FBCF é enorme, chegando quase a 1 – fica em 0,97, mais exatamente, numa série que se inicia em 2004. Segundo ele, nenhum outro componente da demanda tem uma correlação tão forte com o PIB.

Recuperação – Na visão de Rocca, a recuperação do investimento terá de vir pela infraestrutura, o setor em que não há problemas de insuficiência de demanda nem de excesso de oferta – pelo contrário. Para que isso se concretize, ele diz que é fundamental que haja um ambiente regulatório e jurídico que dê mais segurança ao investidor, além de projetos-executivos de qualidade, para que as obras ocorram dentro do orçamento previsto e saiam no prazo planejado.

Capacidade ociosa – Segundo Rocca, a enorme capacidade ociosa das empresas contribui para o tombo do investimento, assim como o fato de que em muitas companhias as taxas de retorno ainda estão abaixo do custo de capital. Outro ponto é que há incertezas em relação ao crescimento, o que afeta a decisão de investir do setor privado.

Superestimada – Rocca observa que, no estudo, a parte da FBCF financiada pelo investimento estrangeiro pode estar superestimada. O ponto é que não há diferenciação entre o que é investido em projetos novos e o que é aquisição de ativos já existentes, aqueles que não ampliam a capacidade produtiva. Com isso, é possível que a parte bancada com recursos próprios, calculada por diferença, seja maior do que a estimada no estudo. Ainda assim, a compra de um ativo indica a disposição de investir mais à frente, dado o horizonte de longo prazo das operações.

Capital fixo – O economista reitera a importância da recuperação da formação bruta de capital fixo para que haja uma melhora sustentável da atividade econômica. “Uma retomada mais consistente do crescimento depende do investimento”, frisa ele, notando que a virada da FBCF não virá do setor público, dada a situação das contas públicas. O impulso terá que vir do setor privado, e o caminho mais promissor é o da infraestrutura.

Contas nacionais – Nas contas nacionais, o investimento no segundo trimestre recuou 0,7% em relação ao trimestre anterior, feito o ajuste sazonal. Foi a 14ª queda em 15 trimestres. Para ter uma ideia do tamanho do tombo, a FBCF recuou 29,7% na comparação com o nível observado no terceiro trimestre de 2013.

Consumo das famílias – Ao comentar a alta do consumo das famílias, que no segundo trimestre cresceu 1,4% em relação aos três meses anteriores, Rocca apontou os fatores que, para ele, sustentaram o movimento. O primeiro é a forte queda da inflação, que abre espaço para ganhos reais de renda. O outro foi a injeção de recursos na economia possibilitada pelos saques das contas inativas do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), que totalizaram cerca de R$ 44 bilhões.

Efeito multiplicador – Além disso, há o efeito multiplicador da renda agrícola e das exportações, que têm crescido com força. Para completar, os juros estão em trajetória de baixa. Tudo isso deu impulso ao consumo. O crescimento sustentável no longo prazo, contudo, precisa da recuperação do investimento, diz Rocca. (Valor Econômico/Ocepar)