Correio dos Campos

Ensino da administração e gestão pública no Brasil

*Por Luiz Marcatti e Herbert Steinberg: Sócio e presidente e sócio, fundador e presidente do conselho da MESA Corporate Governance
14 de fevereiro de 2022 às 18:46
(Foto: Divulgação)

Traçar estratégias, direcionar recursos e estabelecer objetivos são práticas pertinentes ao planejamento periódico de qualquer empresa, e que levam em consideração sua capacidade de execução. É possível extrapolar essa abordagem também para a administração pública — não por acaso, especificamente no caso brasileiro, usa-se a expressão “choque de gestão”, capaz inclusive de ajudar no enfrentamento de crises agudas em organizações estatais.

Observando-se o cenário no Brasil sob uma perspectiva histórica, fica evidente a repetição de dificuldades na administração pública decorrentes de problemas passados não devidamente resolvidos. Certamente os casuísmos de diversos governos reverberaram nas políticas públicas e sociais ao longo do tempo, mas há um ponto nevrálgico constantemente relegado a um papel secundário: a adoção de boas práticas de administração pública, nos moldes do que já se faz há muito tempo no setor privado.

Uma das origens dessa questão está associada ao descompasso entre o que se ensina nos cursos superiores de Administração quanto se trata de gestão pública e os conceitos mais atuais aplicados às empresas privadas, lacuna que fica ainda mais visível quando se comparam as realidades do Brasil e de países desenvolvidos como os Estados Unidos.

Como destaca o consultor de empresas Stephen Kanitz, o ensino de gestão pública na graduação e na pós-graduação nas escolas brasileiras ainda carece de paradigmas alinhados com o que se faz de melhor no exterior. Economista, ex-colunista da Revista “Veja” e ganhador do “Prêmio Jabuti” pelo livro “O Brasil que dá certo”, Kanitz apresentou esse panorama em sua participação como convidado de dezembro de 2021 do MESA AO VIVO, espaço de debates no canal do YouTube da Mesa Corporate Governance.

Como relata Kanitz, não foi sem um certo grau de animosidade que as primeiras escolas de Administração sugiram, ainda no século 19. Houve resistências iniciais de outras instituições correlatas, mas as escolas de gestão conseguiram se impor — mesmo diante da antipatia de universidades renomadas, aos poucos foram formando uma nova classe profissional de administradores e conquistando força política.

Um importante impulso, nos Estados Unidos, veio da necessidade de profissionalização das famílias empresárias, já no século 20, fator que evidenciou uma crescente valorização do ensino de administração no país. Essa dinâmica levou, por exemplo, os profissionais formados pela escola de Administração de Harvard (hoje uma das maiores referências na área) a se equipararem, em termos de status social, a médicos e advogados.

No Brasil, a evolução e o desenvolvimento dos cursos de Administração que se vê hoje foram marcados por um retrocesso inicial: a Lei 7.988, de 1945, que decretou a extinção dos cursos superiores de Administração e Finanças no País. O intervalo foi longo, tendo as escolas voltado a partir da década de 1990 (mais comumente associadas a instituições de ensino de Economia e Contabilidade. O hiato cobrou seu preço sob a forma de falta de atenção para a gestão pública, em contraste com a do setor privado, avalia Kanitz. Foram décadas perdidas em termos de desenvolvimento de pesquisas acadêmicas sobre administração pública brasileira, que acabou sem subsídios suficientes para alterar os rumos das empresas e organizações sob a alçada dos governos.

Por um erro histórico, portanto, ficou faltando à gestão pública no País uma ligação fundamental com pesquisas acadêmicas e práticas que poderiam ter sido levadas adiante por meio das escolas de Administração. Seria extremamente salutar para a sociedade brasileira que os gestores públicos pudessem, a cada dia mais, se valer das experiências e atividades da esfera acadêmica que tanto beneficiam as empresas privadas.